Entenda a reforma trabalhista
(14/11/2017). Um dos principais assuntos debatidos ao longo do ano, e que gerou muita polêmica, a Reforma Trabalhista finalmente entrará em vigor. São diversas e importantes mudanças acarretadas pelo novo texto, em substituição à antiga Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Um divisor de águas, especialmente no que diz respeito às novas possibilidades de negociação.
Fernando Peluso, especialista em direito do trabalho: Impactos na Gestão das Empresas” e professor do curso de pós- graduação latu sensu em Direito Empresarial, ambos do Insper, em São Paulo, fala sobre os pontos mais importantes da reforma e de que maneira o RH das empresas precisa se preparar para atuar daqui para frente unindo a conduta correta junto aos funcionários e os interesses empresariais. Acompanhe, a seguir, a entrevista concedida à Revista OMU.
OMU: Qual o impacto da reforma para o RH das empresas?
PELUSO: A primeira coisa é que a reforma vai gerar uma desburocratização no departamento de RH. Ela acaba com a homologação da rescisão do contrato de trabalho. Até a entrada em vigor da reforma, quando a pessoa rescinde o contrato de trabalho, seja por qual motivo for, há um prazo para pagar, depois é preciso fazer a homologação da rescisão perante o sindicato e a superintendência regional do trabalho e seguir todo um trâmite burocrático. Com a reforma, deve-se cumprir um prazo único para fazer o pagamento das verbas rescisórias e a entrega da documentação para que o empregado possa levantar o Seguro Desemprego e o Fundo de Garantia. E, em linhas gerais, você passa a ter uma condição diferente porque a reforma está criando uma divisão entre empregados “comuns” e “executivos”. A lei autoriza que empregados que ganham mais de R$11.600,00 negociem diretamente com as empresas as diversas condições. Para o RH será importante estar preparado para fazer negociações e, principalmente, gerir os contratos, pois até aqui era uma gestão única. A reforma leva a um novo patamar a negociação com trabalhadores e sindicatos. Não existe exclusão de direitos, e sim uma nova forma de negociar
OMU: A gestão dos contratos, da negociação com cada profissional, não traz uma complicação a mais para a equipe de RH? Pois, nos casos de grandes empresas, haverá muitos contratos a serem geridos, por exemplo.
PELUSO: Sim, concordo, apesar de não achar que, particularmente nas médias e grandes empresas, haverá uma negociação totalmente diferente da outra dentro de um grupo de pessoas. Sem dúvida, com a divisão e a possibilidade de negociação, vai ser necessária a gestão de cada contrato individualmente. E, quanto mais se individualiza, mais é preciso aprimorar a gestão de recursos humanos, que terá de acompanhar isso de perto. Entretanto, sob o aspecto empresarial, sem dúvida que este é um grande avanço.
OMU: O que o setor de RH precisa fazer para se preparar e absorver essas que vão chegar com a reforma?
PELUSO: O primeiro passo importante é entender a fundo as alterações e as possibilidades que a reforma traz para gerir melhor a relação com os empregados do ponto de vista empresarial. Será importante buscar cursos e participar dos debates, pois a lei não é absolutamente clara no sentido de mostrar todas as possibilidades existentes. O texto da lei é frio e ali cabe uma série de interpretações, ampliações e restrições. O mais importante é que a equipe de RH esteja presente e participe das discussões para que possam entender todo esse conteúdo. Ou corre o risco de dar margem a processos trabalhistas e outras complicações. A legislação abarca mudanças de paradigmas na questão das negociações e quem não tiver total compreensão vai ficar para trás.
OMU: De acordo com a nova legislação, como ficam as questões de banco de horas, férias etc.?
PELUSO: A reforma trata a questão negociado x legislado em vários aspectos, mas o ponto central é a jornada de trabalho. A legislação passará a permitir uma negociação direta com os trabalhadores sobre banco de horas, que sempre foi um ponto sensível ligado à jornada de trabalho. Em linhas gerais, ela traz a possibilidade da jornada de 12/36 (12 horas de trabalho por 36 horas de descanso), que é muito usual para médicos, enfermeiros e pessoal de segurança. Além disso, pode haver negociação direta com o empregado com relação à redução de intervalo para refeição e descanso. O intervalo, por exemplo, é de uma hora, mas se pode reduzir para 30 minutos mediante consenso. A empresa também tem a possibilidade de negociação das férias. A legislação, até então, estabelecia férias de 30 dias; em casos excepcionais, dividida em dois períodos. Agora, com a reforma, é possível distribuir esse período de 30 dias conforme as partes negociarem.
OMU: Há algum aspecto negativo na reforma, do ponto de vista do trabalhador?
PELUSO: Há quem critique a reforma trabalhista alegando que retira direitos dos trabalhadores. Não é verdade. O que a reforma propõe, em sua essência, é levar a um novo patamar a negociação com os trabalhadores e com os sindicatos. Não existe exclusão de direitos, e sim a possibilidade de uma nova forma de negociação. Vou usar novamente o caso das férias para exemplificar. Muitas vezes, é de interesse do próprio trabalhador não sair 30 dias direto e repartir as férias em três períodos, não necessariamente iguais. Até 11 de novembro desse ano, isso não era possível. Então, é importante que o trabalhador conheça o que está sendo trazido de novo e que ele consiga verificar o que atende aos seus interesses e, assim, possa negociar.
OMU: O que a empresa pode fazer nesse sentido?
PELUSO: Por todo o viés político que a reforma traz — e, por isso, há tantos discursos de que a reforma reduz os direitos dos trabalhadores — eu defendo que as empresas devem promover internamente palestras e debates para todos os níveis do seu público. Tenho visto debates, mas de uma forma muito restrita aos CEOs e departamentos jurídicos. É urgente que se amplie o diálogo para que todos entendam todas as possibilidades.
OMU: Quais são os pontos de atenção para o departamento jurídico das empresas?
PELUSO: Como eu comentei, a reforma é muito extensa, ela tem muitos itens de novidade — seja a possibilidade de negociação direta com os empregados, seja a desoneração da folha, você tem inúmeras questões novas dentro da reforma. Por isso, é fundamental o debate para que se consiga visualizar o que atende mais um fluxo de mercado ou determinada empresa. Dentro da reforma, para uma empresa pequena, é mais interessante seguir determinado caminho, já uma empresa média, é mais interessante seguir outro e para uma empresa grande, um diferente. E dentro disso, ainda entra cada ramo de atividade. Por exemplo, a reforma traz a desoneração do pagamento de prêmios: têm empresas que fazem paga- mento de prêmios e outras que não fazem. Ou ainda: se eu não faço, será interessante eu criar uma sistemática de pagamento de premiação para eu me valer dessa desoneração da folha? Há um leque
muito grande de opções.
OMU: A lei cria a figura do trabalhador autônomo exclusivo, que poderá prestar serviços a um único empregador, mas sem vínculo trabalhista. O que é importante saber sobre isso?
PELUSO: O teto da reforma possui uma regra que o trabalho autônomo, mesmo quando se dá de maneira exclusiva e pessoal, não gera vínculo de emprego com o cobrador de serviços. Algumas pessoas têm entendido que, a partir de agora, isso está mais protegido e que a contratação de autônomo dá mais conforto para as empresas porque há maior proteção nessa regra. Eu, particularmente, discordo em gênero, número e grau dessa afirmação. Por quê? Como eu disse, no texto da reforma consta que o trabalho autônomo, ainda que pessoal, não gera vínculo de emprego. Ele está criando uma premissa: o trabalho tem de ser autônomo, então se o trabalho tem de ser assim, sem subordinação entre o prestador e o cobrador de serviços, ele não gera vínculo de emprego. Ora, isso já era uma verdade. O artigo terceiro da CLT define as características, ou melhor, os elementos que devem estar presentes em uma relação de trabalho para que se entenda que ela é uma relação de emprego — pessoalidade, habitualidade, onerosidade e subordinação. O grande diferenciador entre um trabalhador autônomo e uma relação de emprego é a existência da subordinação, ou seja, se a pessoa está sujeita a receber ordens de quem a contratou, ela é em- pregada. E se não está sujeita a receber ordens de quem a contratou, ela não é empregada: é autônoma. Se quem decide o que fazer e a hora de fazer é o trabalhador, ele é autônomo. Esse é o grande divisor de águas entre o trabalhador autônomo e o empregado: a subordinação. Não é a pessoalidade nem a habitualidade. Então, quando o contrato diz que o trabalho autônomo, mesmo que pessoal e habitual, não gera vínculo de emprego, o principal requisito, a subordinação, será analisado caso a caso.
OMU: Muito se fala em aumento de flexibilidade. Quais são os aspectos mais importantes e onde ela pode e deve ser aplicada?
PELUSO: Um dos fatores mais positivos da reforma trabalhista é justamente a flexibilidade. Ela pode ser aplicada em diversas situações, já que a negociação direta com o funcionário está muito mais presente. Tomando o exemplo do intervalo para o almoço, no chão de fábrica, o operário vai para o refeitório, almoça em 15 minutos e fica o resto do tempo sem fazer absolutamente nada. É comum a cena dos trabalhadores tomando sol nesse intervalo. Pergunto: para ele não seria mais interessante ter meia hora de parada e poder sair mais cedo no final do expediente? Já o funcionário de um escritório no centro precisa de 1 hora para almoçar. Até pegar o elevador, ir para a rua, entrar no restaurante, já usou bons minutos do tempo. Então, a flexibilidade é muito importante, pois possibilita que as empresas e seus funcionários cheguem a acordos e contratos vantajosos para ambos. Com a flexibilidade e as negociações, a empresa poderá agir de acordo com as suas necessidades e seu nicho de atuação. Antes, a CLT antiga colocava tudo numa fôrma, era uma única lei para todos. Não se levava em conta a realidade de cada empresa ou ramo de atividade. Agora, de 11 de novembro em diante, ficará mais fácil conseguir negociações mais sustentáveis, que tenham mais equilíbrio entre os ganhos do trabalhador e o lucro da empresa.
A nova regra
Veja alguns pontos que mudaram na reforma trabalhista:
•Negociação x legislação: as convenções e acor- dos coletivos nas empresas prevalecerão sobre as disposições legais.
• Rescisão de contratos: não haverá mais a necessidade de homologação sindical, desde que haja consenso entre as partes.
• Imposto sindical: deixará de ser obrigatório o imposto sindical (equivalente a um dia de trabalho por ano). A contribuição será opcional.
• Trabalho intermitente ou descontínuo: a medida torna legal o pagamento de salários por hora ou por diária, em vez de mensal. A “jornada” será contratada com cinco dias de antecedência e, fora desse período, o trabalhador não estará à disposição da empresa.
•Terceirização: será permitido terceirizar todas as atividades, e não mais as consideradas aces- sórias da entidade.
FONTE: O MUNDO DA USINAGEM